domingo, 16 de agosto de 2015

Marathon du Mont-Blanc 2015

Tudo começou com um sonho e nele eu imaginei muitas coisas, poder viajar, conhecer pessoas, explorar novos lugares, experimentar a gastronomia local, acordar sem ter que olhar no relógio, fotografar belas paisagens e, aliado a tudo isso, correr uma maratona. Muitas pessoas buscam inspiração em algum grande objetivo, como prova de capacidade e de poder de enfrentamento, visando superar limites e ganhar uma espécie de satisfação interna para encarar obstáculos que surgem na vida. Comigo não é diferente, não pela necessidade de provar alguma coisa, mas pela sensação de saber que tenho condições de ir longe, mesmo que muitos não acreditem. Em minha vida pessoal e profissional, os desafios são diários, é com muita concentração e pensamento positivo que direciono as minhas ações, sempre buscando a conciliação na solução dos problemas. As lições que aprendo são canalizadas e somadas às minhas metas, para que eu nunca me esqueça de como cheguei até lá. Bom, agora vou falar de corrida!

Sempre ouvi falar da Maratona du Mont-Blanc, uma das principais maratonas de aventura do planeta, conhecida por muitos como a “top one” da categoria. Voltando um pouco no tempo, era julho de 2014 quando deparei com o site da organização do evento. Nele, descobri que havia várias distâncias disponíveis aos interessados: mini-cross, 5Km, 10Km, 23Km, 42Km e 80Km. Mas o “carro-chefe” é sem dúvida a maratona e os seus indissociáveis quarenta e dois quilômetros e cento e noventa e cinco metros. As inscrições ainda não estavam abertas, haveria um período de pré-inscrição nos meses de setembro e outubro, para que os postulantes à vaga pudessem concorrer a um sorteio. Apenas 2.000 vagas para a distância que eu almejava e um planeta inteiro de interessados em correr nos Alpes Franceses.

Para a pré-inscrição não havia burocracias, bastava preencher o cadastro e aguardar. Pois bem, no dia 23 de outubro de 2014 recebi a seguinte mensagem dos organizadores: After the draw of today we are pleased to confirm your participation in 2015 Mont Blanc Marathon!” (Após o sorteio de hoje temos o prazer de confirmar a sua participação na Maratona du Mont-Blanc 2015!). Era o primeiro passo para algo que eu mal fazia ideia do que estava por vir. Eu tinha o prazo de trinta dias para pagar a inscrição (65 euros, pouco mais de duzentos reais) e enviar um atestado de saúde para ratificar a inscrição. Fiz isso em menos de 10 dias. O grande dia já era uma realidade: 28 de junho de 2015. Naquele momento procurei me concentrar em meus estudos, para não perder o foco, já que tinha muito tempo ainda pela frente.

O ano de 2015 começou com muitas mudanças, a começar pela minha saída da academia Bodytech (unidade Vila Olímpia), após mais de quatro anos. Foi lá, ainda com o antigo nome de Academia Olímpia, em 2010, que me recuperei de uma lesão de tendão, graças ao Deep Running da professora Roberta Rosas, para conseguir correr na Maratona de Florença, em novembro daquele ano. Aprendi a nadar com os professores Gabriela e Rodrigo, que pacientemente me ensinaram a dar as primeiras braçadas. Mas precisava do famoso “fato novo”, coisa que a academia já não me oferecia mais. E, em março deste ano, fiz o rompimento. No trabalho, mudei de horário, visando alcançar novos horizontes, o que me permitiu aprender coisas novas e conhecer pessoas que me ajudaram bastante. Aqui reservo o espaço para agradecer a todas essas pessoas. Nesse período, comprei livros, passei a ler com mais frequência, mergulhei de cabeça nos paraísos que o universo literário proporciona (até este momento, já foram nove livros com leituras concluídas). 

Tudo na vida tem um propósito, as vezes conhecemos, outras vezes não, mas o importante é que estamos lá, conscientes de que podemos realizar um bom papel. E com tudo que estava acontecendo comigo e à minha volta, a data da maratona estava lá, me aguardando. Não iniciei os treinos como planejei, mesmo porque as sete (isso mesmo, S-E-T-E) matérias do meu curso universitário foram de uma complexidade incomum. Sem contar os estágios, palestras e cursos rápidos que são válidos para a formação. Só fui ingressar numa nova academia em maio, após tentativas em vão de conseguir entrar numa que oferecesse apenas natação. Por ironia ou coincidência, a minha futura academia estava a poucas quadras da antiga, no mesmo bairro, mas com uma proposta de treinos e opções de crescimento invejáveis: Reebok Sports Club.

Com a pontuação do Dotz, moeda de troca virtual, assinei (sem custos adicionais), a revista Viagem e Turismo, publicação mensal que nos faz viajar sem sair do lugar. Também passei a assinar a revista Contra-Relógio, também mensal, que traz experiências de quem corre mundo afora. Não pensem que esqueci de falar da Maratona du Mont-Blanc, já estou me aproximando dela. Tive a honra de ser escolhido como o funcionário do mês no meu local de trabalho, o que me deixou profundamente feliz, fato que devo a todos que me apoiaram, sem exceção. Só para nortear espaço-tempo, tudo isso acontecendo e ainda estava no quinto mês do ano. Sem esquecer da família, penso que sem eles, é como estar em um quarto escuro sem portas e janelas, eles carregam a luz que me permite saber onde me encontro e para qual direção devo seguir.

A programação da minha viagem à França ficou a cargo da Renata Schver, proprietária da empresa Venice Turismo, que já elabora os meus roteiros há alguns anos. O embarque estava marcado para o dia 24/06 e o retorno no dia 30/06. O hotel escolhido foi o Mercure Chamonix Centre, no coração da cidadezinha francesa. Nos dias que antecederam a viagem, recebi dicas de amigos, que também me emprestaram cadeados de código (importante) e tomadas adaptáveis, já que o sistema de transmissão de energia elétrica europeu é diferente do brasileiro. Fui à loja New Balance do Shopping Morumbi e comprei o modelo “Rev Lite”, recomendado para grandes distâncias e extremamente confortável.

O dia do embarque, uma quarta-feira ensolarada, tudo correu dentro da normalidade, cheguei com boa antecedência ao aeroporto de Cumbica, em Guarulhos/SP. Pontualmente, o voo da British Airways decolou às 16h00, rumo a realização de mais um sonho. No voo, assisti a ótima refilmagem do clássico “Cinderela” (2014), intercalando com músicas e dormindo por boas horas em outros momentos. As aeromoças (de moça nada tinham – risos) ou comissárias de bordo, foram bem atenciosas durante a viagem. Apesar de tudo, eu tinha uma pontinha de preocupação, pois não era um voo direto, teria que fazer a conexão na Inglaterra (país conhecido pela rigidez no trato com os turistas).

Vista do Hotel Mercure - Chamonix
Assim que desembarquei, pensei que as coisas seriam bem complicadas, porém, para minha agradável surpresa, tudo estava bem facilitado, com indicação em grandes telões. O Aeroporto de Heathrow, em Londres, é uma rota que liga a diversos países, portanto, conexão ali é a coisa mais comum. Após confirmar a porta de embarque, desloquei até o local num metrô interno (isso mesmo, o aeroporto é tão grande que existe uma linha de metrô exclusiva para atender todos os terminais – cinco, no total). E tudo na maior comodidade e sofisticação (é difícil encontrar alguma coisa na Europa que não funcione com eficiência – momento “puxa-saco” – risos). Acho que esqueci de mencionar o destino da minha conexão: Suíça! Isso mesmo, para chegar à França, passaria por dois países, coisa que nunca havia enfrentado em minhas viagens. O voo durou menos de duas horas e por volta do meio dia já estava em terras suíças.

O fuso horário, considerando o horário de verão europeu era de três horas a frente na Inglaterra e Suíça e quatro horas na França. No Aeroporto de Genebra, não levei nem cinco minutos para retirar a minha bagagem (Europa, né?!), e lá comprei um bilhete (33,5 euros) para o meu translado terrestre até Chamonix. Tomei uma canseira de mais de três horas no aeroporto, se soubesse, teria comprado o bilhete online ainda no Brasil (lição aprendida para a próxima viagem). O deslocamento foi tranquilo, a temperatura estava na casa dos 22°C, e em menos de duas horas, finalmente, cheguei a belíssima Chamonix. O Hotel Mercure (4 estrelas) era de um luxo só, todo acarpetado, quartos espaçosos, com sacada (varanda), tendo as montanhas cobertas de neve como pano de fundo. Vida difícil, viu!!! 

Bela cidade
Não falo o inglês com fluência, sei algumas frases, entendo outras, uso a mímica como último recurso e sempre pago as coisas com dinheiro a mais, obrigando a pessoa a me dar o troco (melhor do que tentar me explicar de que a coisa custou mais caro). Um amigo me aconselhou a instalar o Google Tradutor no smartphone, com o pacote de dados offline em inglês, para qualquer emergência. Dessa forma, eu não precisaria estar online para conseguir usar o aplicativo. A cidade de Chamonix é muito aconchegante, visualmente turística e com muitos restaurantes e bares amontoados um ao lado do outro. Cheguei por volta das 17h00, fui logo atrás de um local para comer (mais de um dia só comendo lanches).

O local escolhido foi o “Restaurant La Calèche”, não entendi muito os pratos do cardápio (mesmo tentando traduzi-los). Pedi uma cerveja e um prato a base de carne. O garçom montou o réchaud, acendeu o fogo e colocou sobre a minha mesa filetes de bife cru. Achei que ele faria as vezes da casa in loco, o que me pareceu bastante original, no entanto, quando ele terminou de dispor tudo a mesa, apenas disse “bon appétit” e virou as costas. Pronto, lá estava eu numa situação complicada! Permaneci tranquilo e, com isso, consegui chapar o bife, de forma que ninguém percebeu que era a primeira vez que eu fazia aquilo (minha encenação foi ótima). Pessoas que passavam pela ruela, viam a habilidade com que eu movia o meu jantar. Havia também uma espécie de purê e uma massa (que lembra a de lasanha) como acompanhamento.

Eu "fiz" a carne conforme o meu ponto
A retirada do kit foi numa Expo, aberta ao público em geral, montada para acolher os atletas. Quando cheguei lá, descobri que precisaria apresentar todo o equipamento obrigatório a ser usado no dia da maratona. Lembrei que ainda me faltava a mochila de hidratação. Por sorte, na própria feira, havia a mochila que eu tanto queria e que não tinha no Brasil para aquisição (exceto importado, que custava horrores). Pelo valor de 162,5 euros (quase quatrocentos reais), comprei a mochila da marca Salomon. Perambulei mais um pouco, tirando fotos aqui e acolá, até regressar ao hotel para descansar. Passava das 21h00 e nada de escurecer, fato curioso, só anoitece depois das 22 horas, para a alegria geral, dias longos e quase intermináveis. A internet do hotel (via wi-fi) funcionou muito bem desde o momento que cheguei.

Feira da Maratona
Quando fui retirar o meu kit de participação, absolutamente ninguém entendia uma palavra do que eu falava e nem eu compreendia o que me era dito. Por intuição, a pessoa responsável por conferir o meu material obrigatório foi “ticando” na ficha, para, ao final, solicitar a minha assinatura. Eis os itens que foram conferidos: aparelho de telefonia móvel, apito, jaqueta impermeável, caneca, garrafa de hidratação com capacidade mínima de 500ml, manta térmica e itens opcionais, como luvas, gorros e bastão de apoio (corta-neve). O kit não seria entregue caso faltasse algum desses itens.

No dia seguinte, sexta-feira, tirei o dia para fazer um tour pela cidade e é claro, explorar as montanhas. Na madrugada ocorreu a largada da ultramaratona 80Km, prova isolada das demais. Comprei o bilhete para subir de teleférico ao custo de 57,80 euros (achei bem caro, por sinal). Mas tudo bem, viagem é para gastar mesmo, subi de teleférico com um grupo de turistas que falavam de tudo, menos português. Troquei de teleférico, um outro que faria o deslocamento até o ponto final. Exuberância indescritível, os raios solares mesclavam com rajadas de vento frio, arrependimento só por ter ido de bermuda. Ao invés de tentar descrever as paisagens, mostrarei nas fotos o que eu testemunhei pessoalmente.

Paisagem exuberante
Lá no alto, nem tentei arriscar a quantos metros de altura estava, havia um guichê para outras atividades: trekking, escalada e um teleférico que ligava à fronteira com a Itália. Pronto, na mesma viagem, passando por Inglaterra, Suíça, França e Itália. Segui num teleférico minúsculo, com capacidade máxima para quatro pessoas. Entraram na cabine comigo um casal de americanos, do Colorado, já idosos, trocamos algumas poucas palavras, graças ao Google Tradutor. Uma conversa que misturou assuntos aleatórios e superficiais, coisas que só uma viagem pode proporcionar. Já em território italiano, no pé de uma montanha, outro teleférico com seus “salgados” 40 euros me fez abortar a missão de entrar para valer na Itália (risos). Fiz o caminho de volta aproveitando para tirar muitas fotos.

Passeio de teleférico pelos Alpes Franceses
No retorno, lá pelas 17h00, deparei com alguns corredores finalizando a ultramaratona (imagine só, correr numa altitude que atingia a 6.000 metros e terminar depois de mais de 15 horas correndo!). Realmente são atletas fora do comum. A cidade, repleta de turistas e corredores que fariam as distâncias menores, aplaudiam esses bravos guerreiros. Passei no hotel para descansar um pouco, antes de encontrar um lugar para jantar. Escolhi o “Restaurant Le Carlina”, opção que quase me causou um arrependimento, pois logo que cheguei o garçom foi um tanto áspero ao dizer que só falava inglês ou francês, sem ao menos ser um pouco solicito em tentar me compreender. “Bati o pé” e de forma marrenta, pensei: “vou jantar aqui queira esse cara ou não!”. Quando pedi a primeira cerveja, em inglês, o tratamento mudou, passei a ser tratado com reverência.

Pernil assado? Conta outra...
O dia seguinte, sábado, optei por fazer algo bem light e sem me esforçar muito, por tratar-se da véspera da maratona. O dia estava bem movimentado, com o andamento do mini-cross, 5Km, 10Km e 23Km, deixando para o domingo o holofote voltado apenas para o evento principal: os 42Km. Fiz algumas compras, como por exemplo, as roupas que usaria no dia da maratona, tomei sorvete e, é claro, tirei muitas fotos. Fui ao almoço de massas, oferecido pela organização (na verdade paguei 12 euros no ato da inscrição), onde havia carne, macarrão espaguete e parafuso, salada, sucos, refrigerante, cerveja (Heineken), água e doces diversos. Tudo isso à vontade, sem limite de quantidade. Uma verdadeira confraternização, num amplo espaço, sem grandes filas, e pessoas bem-humoradas.

Almoço de massas
Depois disso, fui “esticar as pernas” e, ainda com tempo para subir em outro teleférico, onde, por puro acaso, encontrei o local da chegada da maratona, com os staffs montando o pórtico e preparando o palco e o clima da maratona contagiando minhas veias. Para o jantar, escolhi o “Restaurant Le National”, no qual escolhi uma bela massa de macarronada ao molho sugo. Já a sobremesa, um irresistível crepe de chocolate (é um sacrilégio ir à França e não comer crepe - risos). De volta ao hotel preparei o kit, deixando tudo pronto para acordar às 06h00 (largada às 07h00).

O tradicional crepe
A exemplo das noites anteriores, tive uma ótima noite de sono, acordando no horário planejado. Devidamente equipado, o amanhecer em Chamonix é um capítulo à parte, de tão silencioso que o sol vai surgindo e ocupando lugar de destaque no céu espetacularmente azulado. O guarda volumes foi bem tranquilo, os pertences foram ensacados e posteriormente levados ao local da chegada. O número de peito trazia a nacionalidade do participante, descrito numa pequena bandeira. É óbvio que a do Brasil fez sucesso, pois, de acordo com a lista de inscritos, havia apenas nove brasileiros. A largada foi uma verdadeira festa, como contarei nas próximas linhas.

Tudo preparado
A saída foi pelas ruas da cidade, seguindo por um campo aberto de terra batida, cascalho e por vezes, grama fofa. A primeira subida foi tranquila, mesmo com a corrida tendo dado espaço à uma caminhada mais acelerada. Dali por diante, foi um sobe e desce de pequenas proporções, até o Km 15. Os postos de hidratação era uma verdadeira confraternização, não como aqueles que passamos correndo, pegamos água e saímos. Era um momento em que o atleta parava, enchia suas garrafinhas de água, tomava coca cola (isso mesmo), servia-se de pedaços de chocolate amargo, biscoitos e frutas. Cada posto era localizado no “pé” de alguma subida (será que por simples coincidência? – risos).

Momentos antes da largada
Não havia marcação de quilometragem (placas), bom, não que eu tenha visto, mas penso não ter tido, pois não vi uma única sequer pelo caminho. Em alguns pontos, haviam pessoas incentivando, noutros, eram os próprios corredores incentivando uns aos outros. Notei que a maioria corria com aquele bastão de apoio (no início achei um capricho desnecessário), mas ao longo da prova percebi a importância daquele objeto e lamentei por não estar portando um par daquilo. O dia estava estupendo, parecia uma corrida no paraíso (se tomarmos por base que o paraíso é um local repleto de campos verdes, floridos e com pássaros e animais vivendo em harmonia ao som suave de uma harpa). Tá certo, viajei legal agora, mas é difícil evitar a comparação! Até a altura do Km 26 ou próximo, o meu cansaço era proporcional à distância percorrida.

Primeiros quilômetros
A partir daquele momento, o sol passou do ponto agradável para o estado de incômodo parcial, pois as subidas ficaram cada vez mais intensas, a corrida dava lugar para caminhadas espaçadas, pontos com sombra eram mais requisitados. Lá pela metade da prova, atingi um pico aberto sensacional, a vontade era parar ali, esticar uma toalha no gramado e passar o restante do dia deleitando aquele cenário. Havia um caminhão (não me perguntem com ele chegou ali) com um roqueiro mandando ver em clássicos como “Rolling Stones”, parei um instante para curtir o show. Tirei algumas fotos e segui viagem por aquelas montanhas cinematográficas. Nem sei com quanto tempo de prova estava, só sei que já tinha rodado bastante.

Subidas intermináveis
Depois de subidas intermináveis, iniciei um período de descidas, mas não pensem em facilidades, trilhas com muitas pedras e trechos irregulares, praticamente impensável correr naquelas circunstâncias, pois uma queda, mínima que fosse, traria sérias consequências, podendo comprometer a continuidade da maratona. O tênis, que até então era o meu trunfo, mostrou-se inapropriado para aquele tipo de território, parecia que eu estava descalço e cada pisada naquelas pedras, era um martírio para os meus pés. Já não era mais uma corrida e sim um trekking pelos alpes franceses, ninguém arriscava imprimir um ritmo mais forte, correndo o risco de “quebrar” a qualquer momento. Ao atingir mais um posto de hidratação, pedi a um corredor que mostrasse o cronômetro, queria ver as horas, ao invés disso, vi que já estávamos com 30Km percorridos. Uma alegria instalou-se em mim, mais 12Km para superar aquele desafio.

Que subida é essa?
Cada vez que eu via um grupo de pessoas torcendo, eu tirava da mochila a bandeira do Brasil e a empolgação da galera era enorme, todos vibrando, gritando “Brésil”. Os tais 12 quilômetros finais, que eu havia comemorado instantes atrás, se tornou o momento mais crítico da maratona. As dificuldades foram elevadas ao extremo, nunca vi tantas subidas fechadas e íngremes, tudo ali tinha requintes de crueldade, mesmo na sombra, o calor era intenso, a água já não tirava a sede, a fadiga tomava conta de cada célula do meu corpo. Numa escala de 0 a 10 de energia, eu já estava usando o cilindro reserva do reserva, realmente agora eu sei porque é uma das maratonas mais difíceis do mundo, não à toa que ocupa um cenário de grande destaque no mundo. No sentido contrário, passamos por turistas que faziam trekking pela região.

O topo...
Após sucessivos ziguezagues entre subidas e descidas, em trilha fechada, um clarão surgiu, por um momento achei que fosse o final da prova, pois em muito se assemelhava com o local que havia frequentado no dia anterior. Até acelerei o ritmo da caminhada, visto a empolgação que tomou conta de mim. Para minha surpresa, ainda faltava muita coisa pela frente, fui traído por montanhas que em muito parecidíssimas com as que eu vira outrora. Trotava e caminhava, já não tinha forças para muita coisa, a água era escassa (consegui esvaziar as minhas duas garrafinhas). Até que surgiu um posto de hidratação no Km 37. Me esbaldei, comi bolo, chocolate e tomei muita água, inclusive, sentei para descansar um pouco.

Tudo é paisagem nesse lugar
Seguindo viagem para os quilômetros finais, ainda tive condição de sorrir para algumas fotos que estava sendo registradas. O caminho final foi outra romaria, um verdadeiro pedregulho pela frente, cada pisada uma exclamação de dor, interna e as vezes bravejava externamente. Falar palavrão ali não era problema, pois ninguém entendia o que eu falava, o mesmo ocorrida se outra pessoa o fizesse. Comecei a ouvir, ao longe, o som do locutor do evento, o que significava estar próximo da chegada. Antes que pudesse comemorar, as lentes dos meus óculos conferiram mais coisas além do pórtico de chegada: outras subidas nada convidativas antes do desfecho. Procurei não pensar em nada e simplesmente subir, passo por passo, cuidadosamente, sem arriscar a olhar pra cima ou pra baixo. As vozes das pessoas que aguardavam os corredores ficavam cada vez mais fortes, enquanto que eu buscava forças sabe-se lá onde.

Momento foto...
O final foi eletrizante, pedi a uma pessoa do público que guardasse meus óculos na mochila (já não tinha forças para esticar os braços) e segui a passos largos (isso mesmo) rumo ao final. Já nem sentia mais as pernas, só queria saber de cruzar aquele pórtico, corria como jamais pudera imaginar que fosse capaz de fazer. Nunca imaginei correr em uma maratona cujo final fosse em subida, já não bastasse as tantas enfrentadas naquele dia. As lágrimas, por dentro e por fora, me davam forças, eu chorava por tudo o que passei para chegar ali, uma trajetória com muitos obstáculos, tantos dias que precisei devorar mais de um leão, inúmeros momentos que passavam na minha cabeça, cenas de várias passagens da minha vida naqueles instantes finais. Foi emocionante! Tirei a bandeira do Brasil que, por todos os defeitos que o país possui, tenho orgulho de vestir e estampar suas cores e, dessa forma, pensando em nada e tudo ao mesmo tempo, cruzei o pórtico com o tempo de 08 horas, 08 minutos e 26 segundos, ficando na posição de N°1484, de um total de 2012 participantes.

Chegada
Foi uma alegria sem dimensão, não existe termômetro que possa medir com precisão a minha sensação naquele dia, eu estava em estado de êxtase, o coração batendo a mil por hora. Nunca havia feito uma maratona com o tempo tão alto (largar as 07h e chegar depois das 15h é um tanto impensável). Lembro que, na Maratona do Deserto do Atacama (Chile), em 2013, eu terminei a duras penas com o tempo de 05h49min, o que era a minha prova mais longa até então. Ainda tive forças para tirar uma foto com a medalha, retirar o meus pertences no guarda-volumes e descer, de teleférico (gratuito), para o centro da cidade. Lembro que cheguei ao hotel totalmente “quebrado”, tomei um banho e deitei com o corpo todo dolorido.

Medalha - o símbolo de tudo
Acordei antes do anoitecer, com muita fome. Não querendo correr o risco de pedir um prato desconhecido, que pudesse frustrar o meu apetite, troquei o duvidoso pelo certo, indo ao Arco Dourado da cidade (popularmente conhecido como Mac Donald’s – risos). Comi a torto e a direito, tomei suco de laranja (coisa que tenho evitado por causa do estômago), e ainda levei um cheeseburguer para o hotel. Dormi a noite toda feito um neném recém-nascido. No dia seguinte, por obra de algum milagre que desconheço, acordei sem dor alguma, caminhava como se nada tivesse acontecido. Estranhei, é lógico, pois sempre que termino alguma prova dessa envergadura, fico uns dias com dores musculares. Outro fato inexplicável, mas que me deixou bastante contente.

Pego de surpresa...
E essa espetacular viagem vai chegando ao fim. Fiz o caminho de volta, chegando ao Aeroporto de Genebra por transporte terrestre, embarcando até Londres, de onde eu seguiria mais 12 horas até São Paulo. Na viagem de volta, assisti outro filme “Kingsman – Serviço Secreto” (muito bom, por sinal). Foi uma viagem curta (em se tratando do período em que permaneci por lá), mas intensa por todos os passeios que fiz, pessoas com quem conversei, pratos que experimentei e, é claro, por trazer na bagagem mais essa inesquecível experiência, de ter concluído, nada menos que a MARATONA DU MONT-BLANC. O texto ficou enorme, espero que tenham gostado, procurei transmitir tudo aquilo que passei nesses dias nas terras francesas. Ainda não tenho planos para o próximo desafio, penso apenas em corrigir minha forma de treinar, dar mais ênfase ao fortalecimento muscular, para consegui enfrentar melhor as provas de grande altimetria.

Foto oficial
Apenas para fins estatísticos, foram nove brasileiros inscritos, mas apenas quatro apareceram na listagem final de classificação, sendo duas mulheres (contando apenas a maratona). Alguns fotógrafos pelo percurso fizeram a alegria dos corredores. O site oficial, que já conta com o calendário de pré-inscrição para a edição de 2016, apresenta muitas informações que você pode conferir acessando em: http://www.montblancmarathon.net/fr/. Se você gosta de um grande desafio, esta é a sua maratona, coloca-la no currículo não tem preço. Vale destacar a organização impecável de todo o staff da maratona, desde a entrega do kit, pontualidade na largada, segurança, distribuição de água e a finalização do evento. Estão de parabéns! Me orgulho de poder tê-la realizado, um marco nos meus 30 anos de idade.

Outras fotos:

Alpes Franceses
Em algum lugar
Minutos antes da largada
Vontade de ficar horas olhando essa paisagem
Rock n' roll para animar os atletas
Chamonix
Dispensa comentários
Neve cobrindo as montanhas

Vídeo da Maratona:


2 comentários:

  1. Não poderia ter sido diferente, esse relato está um charme, em Chamonix!!👏🏻👏🏻👏🏻

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  2. Foi de muita CORAGEM mataronista.
    Que viagem mesmo especial.
    PARABÉNS!
    Pela busca e acreditar.
    Pela vivência e superação de mais um sonho realizado.
    Pelas dificuldades superadas.
    Pela conquista de um medalha de enorme valor.
    Excelente texto "escritor".

    Obrigada por compartilhar suas experiências.

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